O Leão da Primavera

Numa das últimas vezes em que estive com meu padrasto, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro (antes de ele vir a falecer de covid em abril de 2021), passamos de carro por um quiosque, uma mercearia, um estabelecimento que não sei nem como chamar. Uma espécie de mercadinho alojado numa esquininha de Jardim Primavera.

– Pedro, eu não sei como esse lugar ainda se mantém de pé! – O Francisco me dissera. – Faz muito tempo que tá aí. Uns quarenta anos! Uma desgraça duma quitanda escura, sem cliente, não dá em nada. Os mesmos preços do supermercado, às vezes até mais caro. Não sei se eles vendem alguma coisa, não sei como eles sobrevivem, sinceramente.

Eu mesmo sempre fui apreciador de estabelecimentos antigos, tradicionais, daqueles que mudam nada ou pouca coisa e conseguem se manter de pé por muitos anos. Há neles uma energia que almejo, um espírito de constância, uma personalidade que envolve menos ganância e mais juízo sobre o que funciona ou o que não funciona.

Acontece que, visto de fora, o mercadinho parecia ser mais uma construção em homenagem ao congelamento do tempo. A indignação do meu padrasto sobre aquele mistério do mercadinho que não-se-sabe-como-está-de-pé-até-hoje, rondava ao redor de um incômodo, uma incógnita: como é possível que algo não se atualize perante a velocidade frenética das mudanças. Aquilo parecia para mim um reflexo da sua perspectiva sobre a necessidade de viver: uma labuta sobre alcançar, uma esperança sem fim de que as coisas vão (e precisam) crescer, engrandecer, melhorar, que não tá bom do jeito que tá.

Qualquer estilo de vida criativo se alimenta deste tipo de insatisfação como um combustível de ser/fazer. Se cedermos à este tipo de necessidade em caráter de urgência, no entanto, o que corre maior risco de acontecer é o desprezo pela tal constância citada que, afinal, tem seu valor.

Certas fórmulas funcionam, outras nem tanto. Alguns modus operandi deixam de funcionar com o tempo e novas soluções vão surgindo conforme se vive. É preciso estar atento e forte.

Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás.

Dizem que foi o Che Guevara, mas eu duvido.
O LEÃO DA PRIMAVERA Ltda., mercadinho em Jardim Primavera, Duque de Caxias/RJ