Crítica do filme
O filme Dois Papas (2019) conta a história do último processo de sucessão do papado da Igreja Católica que pegou o mundo de surpresa na época em que o Papa Bento XVI (nascido Joseph Aloisius Ratzinger) renunciou de sua posição máxima na hierarquia da Igreja Católica (fato que não ocorria desde o ano 1415), dando lugar ao cardeal Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco. Para os que viveram o momento histórico sempre esteve claro que esta transição de liderança se refletiu na popularidade da figura do Papa. O antes conservador e ranzinza Bento XVI dera lugar ao carismático e ousado Papa Chico, primeiro Papa latino-americano. Mas esta é uma visão reducionista que o roteiro assinado por Anthony McCarten dilui muito bem. O roteirista é nome de peso das adaptações biográficas, sendo autor dos roteiros de filmes como A Teoria de Tudo, O Destino de uma Nação e Bohemian Rapsody.
Apesar desta aparente polarização de carisma entre as duas figuras, o filme nos mostra dois religiosos que se respeitam mesmo com suas diferenças. As atuações dos protagonistas nas cenas em que atuam juntos tenta nos apresentar perspectivas mais humanas sobre dois homens que assumiram a posição mais divina da principal instituição cristã do planeta. São homens com passado, anseios, memórias e vivências repletas de dor, dúvidas e devoção.
Se por um lado, Ratzinger é visto como um típico alemão frio e insensível, por outro a performance de Anthony Hopkins o desvela como um idoso que tem dificuldades para entender o mundo atual, sua responsabilidade como pontífice e até mesmo as raízes de sua própria fé. Enquanto isso, através da boa performance de Jonathan Pryce, somos apresentados a um cardeal Bergoglio carismático e desenrolado, mas que enxerga seu passado sombrio como uma pedra que o impede de assumir a grande responsabilidade que se revela no horizonte. Diálogos ora bem-humorados, ora filosóficos, mas sempre dinâmicos, nos fazem perceber a dissolução do divino e uma homenagem a humanidade de cada personagem.
A direção é do brasileiro Fernando Meirelles e a Fotografia é do também brasileiro César Charlone, ambos reconhecidos por suas principais parcerias em Cidade de Deus, Ensaio Sobre a Cegueira e O Jardineiro Fiel. Com um toque de estilo e assinatura característica de suas filmografias, os dois são responsáveis por pontos altos do filme: a câmera inquieta e a fotografia crua que mesclam a sensação de ficção com documentário; e algumas sequências de flashbacks em preto-e-branco que dão ao filme momentos de elegância precisa de cinema clássico.
Ilustração
A cena escolhida me pareceu apropriada. Toda a indicação de leitura da esquerda para a direita sugere a ideia de sucessão, assim como o ato de cochichar no ouvido, como que o Papa de branco passasse um segredo para seu substituto. Segredo é uma palavra-chave quando se fala da instituição católica. E há também a sugestão de riqueza proposta pelo sofá adornado à esquerda do Papa de branco em contraponto com o vazio à direita do cardeal, indicando humildade.
Sendo esta a primeira imagem da série a que se pretende o projeto Diário Crítico, ela é também um experimento de estilo. A ideia é que todas as próximas ilustrações sigam esta estrutura monocromática e simples.
Esta postagem é uma republicação. O texto foi originalmente publicado no blog Diário Crítico hospedado na plataforma Medium em 2 de junho de 2020.